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sábado, 30 de abril de 2016

2 Receitinhaas para clarear manchas de acne



  • Receita 1 - Maisena

  Uma xícara e meia de chá de leite, 1 colher de sopa de mel e uma colher de sopa de maisena.

  Misture tudo e leve ao fogo baixo até virar um mingau. Deixe esfriar e aplique no rosto por cerca de 15 min, depois retire a máscara e lave bem com água fria e passe um hidratante.



  • Receita 2 - Ovo


   Bata na batedeira 3 claras de ovo em castelo (até elas ficarem brancas), fofas e consistentes.
  Adicione em seguida nas claras já batidas 20 gotas de limão. Misture delicadamente com uma colher e aplique no rosto, deixe agir por cerca de 30 min. Faça todo o procedimento de noite, pois o rosto exposto ao sol pode causar manchas ou até queimaduras por causa do limão (que é ácido). Depois lave bem o rosto com água fria, seque e passe seu hidratante.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Como passar blush corretamente...

  O blush é uma maquiagem que serve para adicionar cor às maçãs das bochechas, eliminando a palidez da pele e oferecendo um ar de saúde. Palavra de origem inglesa, que significa rubor, já na França chamam de rouge, que significa vermelho. Nem sempre o blush/rouge foi bem aceito pelas sociedades dos séculos mais antigos, porque o padrão de beleza consistia em usar o pó de arroz branco para deixar a pele com aparência de pálida.


Dica
  • Para encontrar o ponto certo para passar o blush, coloque dois dedos ao lado do nariz, e vai passando em direção às orelhas, não passe muito embaixo dos olhos, passe nas 'maçãs' do rosto. 
  • Faça um bico de 'peixe' ou dê um sorriso sem mostrar os dentes, se precisar. 



Cores
Para o dia: salmão, pêssego, rosa queimado, rosa médio e o rosa claro;

Para a noite: cobre escuro, terra, marrom terra e bronze bem clarinho.












Curiosidades
  • Os homens gregos e romanos antigos eram conhecidos por aplicar naturalmente pigmentos vermelhos nas bochechas; 
  • O rouge tinha a textura de pomada mas com o passar do tempo adquiram outras texturas como cremes e géis, o rouge em pó era mais comum e popular devido o aspecto mais fino e potencial de duração maior; 
  • Era usado por homens e mulheres; 
  • As pessoas do século XIX poderiam fazer seu próprio rouge, no entanto, na 2ª metade desse século a tendência passou a ser a compra do rouge já pronto; 
  • As europeias usavam o pó da madeira do pau-brasil;

HORA DO ENEM

  O MEC (Ministério da Educação) lançou no dia 5 (que caiu numa terça-feira) a "Hora do Enem", programa de TV e plataforma de estudos gratuito que ajuda para a preparação de participantes do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).  No começo nada tinha sido divulgado, a divulgação foi após a criação do site, quando ele foi ao ar, e já teve mais de 1,4 milhão de inscritos, com mais de 2 milhões de visualizações.

Dentre os conteúdos, estão notícias, dicas de como se preparar para a prova, questões de anos anteriores comentadas por professores, entre outros.

Programas de TV
   Os programas na TV da "Hora do Enem" serão transmitidos pela TV Escola juntamente com outras 40 emissoras parceiras.  As transmissões serão de: matemática às segundas-feiras, ciências humanas às terças-feiras, linguagens às quarta-feiras, ciências da natureza às quintas-feiras, e redação às sextas-feiras.



Plataforma de estudos
  Na plataforma de estudos inclui os simulados que serão em 80 testes sobre todas as áreas (serão 4 simulados durante o ano), exercícios para a preparação do estudante (que abrange questões que caíram no Enem nos últimos 10 anos), videoaulas (600 ao todo durante o ano), e também o plano de estudos, o qual o Geek Games que faz parceria com o "Hora do Enem" ajudará montar seu plano de estudos personalizado.



Simulados
  Simulados (on-line) de 80 questões, com a mesma elaboração de questões do Enem. O conteúdo deste primeiro simulado, que ocorre neste dia 30 (sábado) será assuntos estudados nas escolas até este mês de abril.

CALENDÁRIO DE APLICAÇÃO DOS SIMULADOS
As provas serão liberadas apenas durante os seus respectivos dias. Universidades e Institutos federais, instituições privadas e escolas estaduais de ensino médio vão ceder espaço para a realização do simulado para os alunos que não tiverem acesso à Internet.
1º Simulado: 30 de abril
20 questões por área do conhecimento (80 no total)
2º Simulado: 25 de junho
20 questões por área do conhecimento (80 no total)
3º Simulado: 13 de agosto
45 questões por área do conhecimento (180 no total)
4º Simulado: 8 e 9 de outubro
45 questões por área do conhecimento (180 no total)

Para mais informações você pode acessar o site e se cadastrar:

*obs.: em alguns momentos o site sai do ar, porque ele pode estar sobrecarregado, com  tantos usuários ao mesmo tempo.


segunda-feira, 14 de março de 2016

AUTO DA BARCA DO INFERNO (atualizado) 

AUTO DA BARCA DO INFERNO (atualizado) 
GIL VICENTE.
Auto de moralidade criado por Gil Vicente em dedicação à sereníssima e muito católica
rainha Leonor, nossa senhora, e representado, por sua ordem, ao poderoso príncipe e muito
alto rei Manuel, primeiro de Portugal deste nome.
Começa a declaração e argumento da obra:
Primeiramente, no presente auto, pressupõem-se que, no momento em que
acabamos de morrer, chegamos subitamente a um rio, o qual, por força,
teremos de passar num dos dois batéis que estão atracados num porto. Um
deles vai em direção ao paraíso e o outro para o inferno. Os tais batéis têm,
cada um, os seus comandantes na proa: o do paraíso um anjo, e o do inferno
um comandante infernal e um companheiro.
O primeiro interlocutor é um Fidalgo que chega com um Pajem, que lhe
segura um manto muito comprido com uma mão e uma cadeira de espaldas
com a outra. O comandante do Inferno começa o seu pregão mesmo antes do Fidalgo se
Aproximar.

DIABO
À barca, à barca, venham lá!
Que temos gentil maré!
– dirigindo-se ao companheiro –
Ora põe o barco à ré! (vira a traseira do barco)

COMPANHEIRO DO DIABO
Está feito, está feito!

DIABO
Bem feito está!
Vai agora, em má hora,
Esticar aquele palanco (corda)
E desocupar aquele banco,
Para a gente que virá.
– falando para o ar –
À barca, à barca, hu-u!
Depressinha, que se quer ir!
Oh, que tempo para partir,
Louvores a Belzebu!
– dirigindo-se ao companheiro –
Mas então! que fazes tu?
Limpa todo aquele leito! (espaço entre o Mastro e a Popa do barco)

COMPANHEIRO
Em boa hora! Feito, feito!

DIABO
Abaixa-me esse cu!
Liberta aquela poja (corda com que se vira a vela)
E afrouxa aquela driça. (corda com que se levanta a vela)

COMPANHEIRO
Oh-oh, caça! Oh-oh, iça, iça!

DIABO
Oh, que caravela esta!
Põe bandeiras, que é festa.
Vela ao alto! Âncora a pique!
Ó poderoso Dom Henrique,
Cá vindes vós? Que coisa é essa?...
Aproxima-se o Fidalgo e, chegando ao barco infernal, diz:

FIDALGO
Esta barca para onde vai,
Que assim está apercebida? (preparada)

DIABO
Vai para a ilha perdida,
E há de partir daqui a nada.

FIDALGO
E para lá vai a senhora?

DIABO
Sou um senhor,
Ao vosso serviço.

FIDALGO
Parece-me isto um cortiço... (uma embarcação reles)

DIABO
Porque a vedes daí de fora.

FIDALGO
Pois sim, e por que terra passais?

DIABO
Para o inferno, senhor.

FIDALGO
Uma terra sem-sabor... (sem piada nenhuma)

DIABO
O quê?... Mas também disso zombais?

FIDALGO
E que passageiros achais
Para tal embarcação?

DIABO
Vejo-vos eu em feição,
Para ir no nosso cais…

FIDALGO
Parece-te a ti assim!...

DIABO
Em que esperas ter guarida? (salvação)

FIDALGO
Que deixo na outra vida,
Quem reze sempre por mim.

DIABO
Quem reze sempre por ti?!...
Hi, hi, hi, hi, hi, hi, hi!...
Tu que viveste a teu prazer,
Pensando cá guarnecer (salvares-te)
Por aqueles que lá rezam por ti?!...
Embarcai agora, embarcai!
Que haveis de ir nas traseiras
Mandai meter a cadeira,
Como também passou o vosso pai.

FIDALGO
O quê!? O quê!? O quê!?
É lá que ele está?!

DIABO
Vai ou vem! Embarcai depressa!
Pelo que em vida escolheste,
Assim cá vos contentais
E como pela morte passastes,
Tereis que passar o rio.

FIDALGO
Não há aqui outro navio?

DIABO
Não, senhor, que este preparaste,
E assim que expiraste (morreste)
Me deste logo sinal.

FIDALGO
E que sinal foi esse tal?

DIABO
De que vós vos contentastes. (que estava condenado)

FIDALGO
Para a outra barca me vou.
– Já ao pé da outra barca –
Oh da barca! Para onde ís?
Oh, barqueiros! Não me ouvis?
Respondei-me! Olá! Ó!...
– O Anjo ignora-o –
Por deus, aviado estou! (perdido)
Quanto a isto é já pior...
Que jericocins, salvanor! (Mas que burro, com o devido respeito)
Pensam que eu sou um grou? (um corvo, ou uma ave que diz coisas sem sentido)

ANJO
Que quereis?

FIDALGO
Que me digais,
Pois morri tão sem aviso,
Se a barca do Paraíso
É esta em que navegais.

ANJO
Esta é. Que desejais?

FIDALGO
Que me deixeis embarcar.
Sou fidalgo de solar,
É bom que me recolhais.

ANJO
Não se embarca tirania,
Neste batel divinal.

FIDALGO
Não sei porque negais entrada
À minha senhoria...

ANJO
Para a vossa fantasia (vaidade)
Muito pequena é esta barca.

FIDALGO
Para senhor de bom nome,
Não há aqui mais cortesia?
Venha a prancha e atavio! (a prancha e apetrechos para se subir para o barco)
Levai-me desta ribeira!

ANJO
Não vindes cá a pensar
De entrar neste navio.
Aquele ali vai mais vazio.
Ali a cadeira entrará,
O rabo caberá
E todo vosso senhorio.
Ireis ali mais espaçoso,
Vossa fumosa senhoria, (arrogante)
A pensar na vossa tirania
Contra o pobre povo queixoso.
E porque, de generoso,
Desprezaste os pequenos,
Achar-vos-ei tanto menos (*)
Quanto mais foste fumoso. (arrogante)
[(*) Quer o Anjo dizer com isto que quer que o Fidalgo reflita e perceba que quanto mais ele era arrogante e mau, mais ele perdia o valor da sua própria pessoa]
– Grita o Diabo da sua barca –

DIABO
À barca, à barca, senhores!
Oh! que maré tão de prata!
Um ventozinho que mata
E valentes remadores!
– Diz a cantar: –
"Vós me vireis à mão,
À mão me vireis.”

FIDALGO
Para o Inferno, então!
O inferno será para mim?
Oh triste! Enquanto vivi
Não pensei que seria:
Pensei que era fantasia!
Pensava ser adorado,
Confiei no meu estado
E não vi que me perdia.
Venha essa prancha!
Veremos esta barca de tristura. (tristeza)

DIABO
Embarque vossa doçura,
Que cá nos entenderemos...
Tomareis um par de remos,
Veremos como remais,
E, chegando ao nosso cais,
Verá como bem vos serviremos.

FIDALGO
Esperai-me vós aqui,
Voltarei à outra vida,
Para ver a minha dama querida,
Que se quer matar por mim.

DIABO
Que se quer matar por ti?!...

FIDALGO
Isto bem certo o sei eu.

DIABO
Ó namorado sandeu, (atraiçoado, cornudo)
O maior que já vi!...

FIDALGO
Como poderá isso ser,
Ela que me escrevia todos os dias?

DIABO
Quantas mentiras que lias!
E tu... doido de prazer!...

FIDALGO
Para que está a escarnecer,
Se não havia quem me quisesse mais bem?

DIABO
Assim deverias viver, amém,
Como ela te havia de querer! (*)
[(*) O Diabo goza com o Fidalgo, dizendo‐lhe que ele deveria viver tanto quanto a namorada o amava, ou seja, nem mais um segundo de vida.]

FIDALGO
Isso quanto ao que eu conheço...

DIABO
Pois estando tu a morrer,
Estava ela a requebrar-se, (a ter relações sexuais)
Com outro de menos preço.

FIDALGO
Dá-me licença, te peço,
Que vá ver a minha mulher.

DIABO
E ela, se te voltar a ver,
Despenhar-se-á de um cabeço!
Tudo quanto ela hoje rezou,
Entre os seus gritos e gritas,
Foi a dar graças infinitas
A quem a desassombrou. (a libertou)

FIDALGO
Quanto ela bem chorou!

DIABO
E não há choro de alegria?

FIDALGO
E as lástimas que dizia?

DIABO
A sua mãe lhas ensinou...
Entrai, meu senhor, entrai:
Aqui está a prancha! Ponha o pé...

FIDALGO
Entremos, pois se assim é.

DIABO
Ora, senhor, descansai, passeai e suspirai.
Que entretanto virá mais gente.

FIDALGO
Ó barca, como és ardente!
Maldito quem em ti vai!
– Diz o Diabo ao rapaz da cadeira: –

DIABO
Tu não entras cá! Vai-te daqui!
Essa cadeira está cá a mais!
Coisa que esteve na igreja
Não se há de embarcar aqui.
Aqui dar-lhe-ão outras de marfim,
Mais chicotadas de dores,
Dadas com tais lavores,
Que ficará fora de si...
– Falando novamente para o ar –
À barca, à barca, boa gente,
Que queremos dar à vela!
É chegar a ela! É chegar a ela! (Aproximai-vos, aproximai-vos)
Muitos e de boa mente!
Oh! que barca tão valente!
Aparece um Onzeneiro, (*) e pergunta ao barqueiro do Inferno, dizendo:
[(*) Indivíduo que vive a emprestar dinheiro aos outros e a cobrar depois juros altos. Eram os banqueiros da altura.]

ONZENEIRO
Para onde navegais?

DIABO
Oh! Em que má hora chegais,
Onzeneiro, meu parente!
Porque tardastes vós tanto?

ONZENEIRO
Mais ainda eu quisera tardar...
Na safra do apanhar, (Na tarefa de ganhar dinheiro)
Deu-me Saturno(*) o quebranto. (a morte)
[(*)Saturno era o deus romano do Tempo.]

DIABO
Ora muito me espanto por ver
Não vos salvar o dinheiro!...

ONZENEIRO
Nem para o barqueiro
Me deixaram ficar com algo…(*)
[(*) O Onzeneiro refere-se novamente às mitologia grega, segundo a qual os mortos teriam que atravessar o rio Aqueronte, pagando uma moeda ao barqueiro, de nome Caronte, pela passagem. Queixa-se ele de que não o deixaram levar nenhum do seu dinheiro consigo, quando morreu, nem para pagar ao tal barqueiro da lenda.]

DIABO
Ora então entrai, entrai aqui!

ONZENEIRO
Não hei eu de aí embarcar!

DIABO
Oh! Que gentil recear,
E que divertido para mim!...

ONZENEIRO
Ainda agora faleci!
Deixa-me escolher um batel!

DIABO
Oh São Pimentel!
Porque não irás aqui?...

ONZENEIRO
E para onde é a viagem?

DIABO
É para onde tu hás de ir.

ONZENEIRO
E vamos já partir?

DIABO
Não penses em mais linguagem. (Deixa-te de mais conversas)

ONZENEIRO
Mas para onde é a passagem?

DIABO
Para a infernal comarca.

ONZENEIRO
Dix! Não vou eu em tal barca. (uma interjeição de espanto)
Aquela outra tem avantagem (melhor aspeto)
Dirige-se à barca do Anjo, e diz:

ONZENEIRO
Oh da barca! Olá! Ó!
Haveis já de partir?

ANJO
E onde queres tu ir?

ONZENEIRO
Eu, para o Paraíso vou.

ANJO
Pois quanto a mim, muito fora estou (não contes comigo)
De te levar para lá
Aquela outra barca te aceitará;
Ali vai quem enganou!

ONZENEIRO
Porquê?

ANJO
Porque esse bolsão
Ocuparia todo o navio.

ONZENEIRO
Juro a Deus que vai vazio!

ANJO
Não no teu coração.

ONZENEIRO
Lá me ficou de roldão (perdida)
A minha fazenda e alheia (riqueza)

ANJO
Ó onzena, como és feia (ozena = usura, avareza)
E filha da maldição!
Torna o Onzeneiro à barca do Inferno e diz:

ONZENEIRO
Oh da barca! Oh Demo barqueiro!
Sabeis vós no que me fundo? (penso)
Quero lá voltar ao mundo
E trazer o meu dinheiro.
Aquele outro marinheiro,
Porque me viu vir sem nada,
Deu-me tanta borregada, (insultos)
Como os barqueiros lá do Barreiro.

DIABO
Entra, entra! E remarás!
Não percamos mais a maré!

ONZENEIRO
Todavia...

DIABO
Por força assim é!
Como fizeste, cá entrarás!
Irás servir Satanás,
Porque sempre ele te ajudou.

ONZENEIRO
Oh triste de mim...
Quem me cegou?

DIABO
Cala-te que depois chorarás.
Ao entrar o Onzeneiro no batel, encontra o Fidalgo embarcado e diz tirando
o barrete:

ONZENEIRO
Santa Joana de Valdês!
Também está cá vossa senhoria?

FIDALGO
Dê ao demo a cortesia!

DIABO
Que ouvi? Falai vós em ser cortês!
Vós, fidalgo, que penseis?
Que estais na vossa pousada?
Dar-vos-ei tanta pancada
Como a um remo que renegueis!
Vem Joane, o Parvo, e diz ao barqueiro do Inferno:

PARVO
Oh desta!

DIABO
Quem é?

PARVO
Eu sou.
É esta a nossa naviarra?

DIABO
De quem?

PARVO
Dos tolos.

DIABO
Ah! Vossa. Entra!

PARVO
De pulo ou de voo?
Oh! Pelo pesar do meu avô! (dor, choro)
Resumindo: Vim a adoecer
E em má hora fui morrer,
E nela, para mim só. (E numa altura em que estava só)

DIABO
E de que morreste?

PARVO
De quê?
Acho que de caganeira.

DIABO
De quê!?

PARVO
De caga merdeira!
Que má rabugem que te dê! (um insulto)

DIABO
Entra! Põe aqui o pé!

PARVO
Ó pá! Que não tombe o zambuco!(*) (a barcaça.)
[(*) Expressão do Parvo que quer dizer que o Diabo está a apressá-lo. Ou seja, “com tanta pressa, não vá a barcaça vira-se]

DIABO
Entra, tolo eunuco,
Que nos vai embora a maré!

PARVO
Aguardai, aguardai um pouco!
E aonde havemos nós de ir ter?

DIABO
Ao porto de Lucifer.

PARVO
Ha-a-a...?

DIABO
Ao Inferno! Entra cá!

PARVO
Ao Inferno?... Espera lá....
Ui! Ui! É a Barca do cornudo!!!
Pêro de Vinagre! Beiçudo,
Lenhador de Alverca, uh, uh!
SAPATEIRO da Candosa!
Entrecosto de carrapato!
Ui! Ui! Caga no sapato,
Filho de uma grande aleivosa! (prostituta)
A tua mulher é tinhosa
E há de parir um sapo,
Achatado num guardanapo!
Neto de uma cagosa!
Ladrão de cebolas! Ui! Ui!
Excomungado das igrejas!
Burrelas, cornudo sejas!
Toma o pão que te caiu!(*)
A mulher que te fugiu,
Para Ilha da Madeira!
[(*) toma aquilo que mereces]
Cornudo até à mangueira,
Toma o pão que te caiu!
Uh! Uh! Lanço-te uma pulha! (um manguito)
Toma, toma! Pica naquela!
Hump! Hump! Caga na vela!
Cabeça de grulha!
Perna de cigarra velha,
Caganita de coelha,
Pelourinho da Pampulha!
Mija na agulha, mija na agulha!
Chega o Parvo ao batel do Anjo diz:

PARVO
Oh da barca!

ANJO
Que me queres?

PARVO
Queres-me passar além?

ANJO
Quem és tu?

PARVO
Talvez alguém.

ANJO
Tu passarás, se quiseres;
Porque em todas os teus afazeres,
Por malícia não erraste.
Da tua simpleza te bastastes,
Para gozar dos prazeres.
Espera no entanto aí,
Veremos se vem mais alguém,
Merecedor de tal bem,
Que deva entrar aqui.
Vem Sapateiro com o seu avental e carregado de formas de sapatos. Chega ao
batel infernal, e diz:

SAPATEIRO
Ó da barca!

DIABO
Quem vem aí?
Oh! Santo sapateiro honrado,
Como vens tão carregado!...

SAPATEIRO
Mandaram-me vir assim... (*)
E para onde é a viagem?
[(*) Os objetos que as personagem carregam representam os pecados que cometeram em vida.]

DIABO
Para o lago dos danados.

SAPATEIRO
E os que morrem confessados,
Onde têm a sua passagem?

DIABO
Não digas tais linguagem!
Esta é a tua barca, esta!

SAPATEIRO
Renegaria eu da festa,(*)
E da puta dessa barcagem!
Como poderá isso ser,
Sendo eu confessado e comungado?!...
[(*) Expressão que dizer, “não quero esse convite para nada, mesmo que fosse para uma festa”]

DIABO
Tu morreste excomungado!
Mesmo sem o saberes.
O que esperavas depois de viver,
Fazendo dois mil engano…
Tu roubaste em trinta anos,
O povo com a tua mestria. (com o teu oficio)
Embarca, esta barca é para ti,
Que há já muito que te espero!

SAPATEIRO
Pois digo-te que não quero!

DIABO
Mas hás de ir, sim, sim!

SAPATEIRO
Quantas missas eu ouvi...
Não me hão elas de agora prestar? (valer)

DIABO
Ouvir missa, depois roubar...
É caminho para aqui.

SAPATEIRO
E as ofertas que servirão? (as esmolas)
E as horas dos finados? (as rezas e os velórios que se faziam quando alguém estava a morrer para
essa pessoa ir para o céu)

DIABO
E os dinheiros mal cobrados,
Que foi da tua satisfação?

SAPATEIRO
Oh! Não brinques oh cordovão! (mentiroso)
Nem à puta da badana, (da velha, ou seja, da tua mãe ou da tua avó)
Se é esta traquitana
Para ir o João Antão!
Ora juro a Deus que mete graça!
Dirige-se à barca do Anjo, e diz:

SAPATEIRO
Oh da santa caravela!
Poderás levar-me nela?

ANJO
A tua carga te embaraça.

SAPATEIRO
Não há caridade que Deus me faça?
Isto em qualquer lugar irá?

ANJO
Aquela barca que ali está
Leva quem rouba de praça. (descaradamente)
Oh almas embaraçadas! (desavergonhadas)

SAPATEIRO
Ora muito eu me maravilho, (me espanto)
Por terdes por grão peguilho, (por incómodo)
Quatro forminhas cagadas, (*)
Que podem bem ir aí aconchegadas
Aí num cantinho dessa barca!
[(*)”umas coisas insignificantes”, referindo-se à formas dos sapatos que trazia consigo, ou seja, os seus pecados.]

ANJO
Se tivesses vivido direito,
Elas eram cá escusadas. (*)
[(*) Diz o Anjo, que se o Sapateiro vivido com retidão, não trazia agora nada carregado consigo]

SAPATEIRO
Então determinais,
Que eu vá cozer ao Inferno?

ANJO
Escrito estás no caderno
Das ementas infernais.
O sapateiro volta à barca dos danados, e diz:

SAPATEIRO
Oh barqueiros! Que aguardais?
Vamos, venha prancha logo
E levai-me àquele fogo!
Não nos detenhamos mais!
Vem um Frade com uma rapariga pela mão, um escudo e uma espada na outra
e um capacete debaixo do capuz. E ele mesmo fazendo uma vénia, começa a
dançar, cantando:

FRADE
Tai-rai-rai-ra-rã; ta-ri-ri-rã;
ta-rai-rai-rai-rã; tai-ri-ri-rã:
tã-tã; ta-ri-rim-rim-rã. Huhá!

DIABO
Que é isso, padre?! Quem vem lá?

FRADE
Deo gratias! Sou cortesão. (*)
[(*)Graças a Deus! Sou homem da corte. De todos os personagens usados por Gil Vicente nesta peça, o Frade é o mais criticado. Certamente era o que mais fazia rir ao público da época, pois era em si gozado por todas as camadas sociais.]

DIABO
Sabes também o tordião?(*)
[(*)Canto que uma pessoa trauteia quando faz uma dança improvisada. Também pode significar um tipo de dança feita sem ordem nem compasso certo.]

FRADE
Pois então! Ora, se não sei!

DIABO
Pois entrai! Eu tocarei
E faremos um serão. (uma festa)
Essa dama, é vossa?

FRADE
Por minha, eu a tenho,
E sempre a tive como minha.

DIABO
Fizestes bem, que é formosa!
Mas não vos punham lá grossa (censuravam)
No vosso convento santo?

FRADE
Eles lá fazem outro tanto!(*)
[(*)Diz o Frade perante a admiração do Diabo de que os outros frades também tinham amantes como a dele.]

DIABO
Que coisa tão preciosa...
Entrai, padre reverendo!

FRADE
E para onde levais a gente?

DIABO
Para aquele fogo ardente,
Que não temestes vivendo.

FRADE
Juro a Deus que não te entendo!
E este hábito, de nada vale? (as veste religiosas)

DIABO
Gentil padre mundanal,
A Belzebu vos encomendo!

FRADE
Corpo de Deus consagrado!
Pela fé de Jesus Cristo,
Que eu não posso entender isto!
Hei de eu ser condenado?!...
Um padre tão enamorado
E tanto dado à virtude?
Assim Deus me dê saúde,
Que eu estou muito admirado!

DIABO
Não penses em mais detença. (demora)
Embarcai e partiremos:
Tomareis um par de ramos.

FRADE
Não ficou isso em avença. (em acordo)

DIABO
Pois dada está já a sentença!

FRADE
Por Deus! Essa é que era ela!
Não vai em tal caravela
A minha senhora Florença.
Como assim? Só por ser namorado,
E folgar com uma mulher,
Há de um frade de se perder,
Com tanto salmo rezado?!...

DIABO
Ora estás bem aviado! (*)
[(*) “Estás bem aviado”, ou por outras palavras “estás bem servido” é uma expressão que quer dizer que essa determinada pessoa está numa má situação]

FRADE
Direi eu, bem corrigido!

DIABO
Devoto padre marido,
Haveis de cá pingado... (haveis cá lugar guardado)
O Frade descobre a cabeça, tirando o capuz, apareceu-lhe o capacete (*), e diz
o Frade:
[(*)]Muitas ordem religiosas da idade média foram fundadas por monges guerreiros. Os monges guerreiros, por exemplo, das ordens militares do Templo, dos Hospitalários, de Calatrava (mais tarde Ordem de Avis) e de Santiago de Espada desempenharam um papel muito importante nas lutas das Cruzadas.]

FRADE
Mantenha Deus esta coroa!

DIABO
Ó padre Frei Capacete!
Isso mais parece um barrete...

FRADE
Sabeis é da ordem!
A espada é roloa (*) (ordinária)
E este escudo rolão (reles)
[(*) Advém de “ralé”, algo que é comum]

DIABO
Dê Vossa Reverencia lição
De esgrima, que é coisa boa!
Começou o frade a dar lição de esgrima com a espada e o escudo e diz desta
maneira:

FRADE
Deo gratias! Damos caçada!
Para sempre, contra uns!
Um fendente!(*), ora pois!
[(*) Golpe de esgrima normalmente feito de cima para baixo com o punho]
Esta é a primeira levada. (o primeiro ataque)
Alto! Levantai a espada!
Uma estocada, e um revés!
E depressa recolher os pés,
Que todo o cuidado é pouco!
Quando o recolher se tarda
O ferir não é prudente.
Ora, então! Muito depressa,
Cortai na segunda guarda!
Guarde-me Deus da espingarda(*)
[(*) Entende-se por aqui por "espingarda" um tipo de arma como um "mosquete" ou a uma "besta" que existiam no seculo XVI. Não a conceção de espingarda que surgiu um século depois]
E do homem ousado.
Aqui estou tão bem guardado
Como uma palha na albarda. (a sela dos cavalos)
Fico com meia espada...
Óh lá! Protegei as queixadas! (as caras)

DIABO
Oh que valentes levadas! (ataques)

FRADE
Isto ainda não é nada...
Damos outra vez caçada!
Contra uns mais um fendente,
E, cortando com destreza,
Eis aqui a sexto feitada. (golpe)
Daqui saio com uma guia (reviravolta)
E um revés da primeira:
Esta é o quinta verdadeira.
Oh! Quantos assim eu feria!...
Um padre que tal aprendia,
No Inferno há de ter pingos?!... (lugar)
Ah! Não se preza a São Domingos
Com tanta descortesia!
– Voltou a tomar a rapariga pela mão, dizendo: –
Vamos à barca da Glória!
Começou o Frade a fazer o tordião e foram os dois a dançar até o batel do
Anjo desta maneira:

FRADE
Ta-ra-ra-rai-rã; ta-ri-ri-ri-rã;
rai-rai-rã; ta-ri-ri-rã; ta-ri-ri-rã.
Huhá!
Deo gratias! Há lugar cá
Para minha reverência?
E a senhora Florença
Também entrará cá!

PARVO
Andor daqui para fora!
Roubaste o trinchão, frade?(*) (pedaço de carne)
[(*) referindo-se à rapariga que o frade trazia]

FRADE
Senhora, dá-me a vontade (quer-me parecer)
Que este feito mal está.
Vamos para onde havemos de ir!
Não se praza Deus com a ribeira!
E não vejo aqui maneira
Senão, enfim, …. concrudir. (de aceitar as coisas têm de ser)

DIABO
Haveis, padre, de vir.

FRADE
Agasalhai-me lá a Florença,
E cumpra-se essa sentença.
Apressemo-nos a partir.
Assim que o Frade foi embarcado, veio uma Alcoviteira (*), de nome Brízida
Vaz, a qual, chegando à barca infernal, diz desta maneira:
[(*) Uma alcoviteira era uma mulher de má fama, ligada ao negócio da prostituição (do qual ela era
gerente) e a tudo o que lhe estava ligado, ou também a negócios fraudulentos de crendices pagãs, como as mezinhas e remédios de cura. O povo tomava-as como feiticeiras]

BRÍZIDA
Ó da barca, ó lá!

DIABO
Quem chama?

BRÍZIDA
BrízidaVaz.

DIABO
– dirigindo-se ao companheiro –
Mas o que espera ela, rapaz?
Porque não entra ela já?

COMPANHEIRO
Diz que não há de entrar cá
Sem a Joana de Valdês.(*)
[Jona de Valdês já tinha sido anteriormente mencionada pelo Onzeneiro. Devia ter sido uma personagem conhecida na época. Há quem aponte que poderia ter sido uma amante do Bispo de A. Valdês que tinha uma amante com a alcunha de Lucrécia – não confundir com a infame Lucrécia Bórgia, filha do Papa Alexandre VI, a quem certamente o nome foi imitado]

DIABO
Entrai vós e remai.

BRÍZIDA
Eu não quero aí entrar.

DIABO
Que saboroso recear!

BRÍZIDA
Não é essa barca que eu cato. (procuro)

DIABO
Não trazes vós muitos fatos?

BRÍZIDA
O que me convém levar.

DIABO
E o que tens para embarcar?

BRÍZIDA
Seiscentos virgos postiços (*)
E três arcas de feitiços
Que não podem mais levar.
[(*) hímens postiços, usado pelas prostitutas para passarem por virgens]
Três armários de mentir,
E cinco cofres de enleios. (seduções)
E alguns furtos alheios,
Como joias de vestir,
Guarda-roupa de encobrir,
Enfim... – casa movediça;
E um estrado de cortiça
Com dois coxins de cobrir. (almofadas)
A maior carga era,
Essas moças que vendia.
Dessa mercadoria,
Trago eu muita boa fé! (*)
[(*) Brízida Vaz traz consigo todos os apetrechos inerentes aos seus pecados que consistia em criar e fornecer meninas para os homens da época, em particular para os fidalgos e autoridades eclesiásticas.]

DIABO
Ora ponde aqui o pé...

BRÍZIDA
Ui! E vou é para o Paraíso!

DIABO
E quem te disse a ti isso?

BRÍZIDA
Hei de lá ir nessa maré!
Eu sou uma mártir tal!...
Açoites tenho levado, (*)
E tormentos suportado,
Que ninguém me foi igual.
Se eu fosse para o fogo infernal,
Lá iria todo o mundo!
À outra barca, lá ao fundo,
Me vou, que é mais real. (relativo à realeza)
[(*) As prostitutas e as suas “madames” recebiam efetivamente chicotadas como castigo da justiça quando era apanhadas e sentenciada pelos tribunais]
– Chegando à Barca da Glória diz ao Anjo: –

BRÍZIDA
Barqueiro, mano dos meus olhos,
Deita a prancha a Brízida Vaz.

ANJO
Eu não sei quem te cá traz...

BRÍZIDA
Peço-o de joelhos!
Pensais que trago piolhos,
Anjo de Deus, minha rosa?
Eu sou aquela preciosa
Que dava as moças aos molhos, (em grandes quantidades)
A que criava as meninas
Para os cónegos da Sé... (padres e bispos)
Passai-me, por vossa fé,
Meu amor, minhas boninas, (margaridas, malmequeres)
Olho de perlinha fina! (pérola)
Eu sou apostolada,
Angelada e maritizada
E fiz coisas muito divinas.
Santa Úrsula não converteu
Tantas raparigas como eu!
Todas salvas pelo meu (por mim)
E nenhuma se perdeu.
E graças "Àquele do Céu"
Que todas acharam dono.
Pensais que dormia sono?
Nem ponto se me perdeu! (Nada me escapou à atenção)

ANJO
Ora, vai além embarcar,
Ali não estarás a importunar.

BRÍZIDA
Pois estou-vos eu contar
O porque me haveis de levar.

ANJO
Não penses em importunar,
Que não podes vir aqui.

BRÍZIDA
E que má hora eu servi,
Pois não me há de aproveitar!...
– Volta Brízida Vaz à Barca do Inferno, dizendo: –
Ó barqueiros da má hora,
Venha a prancha, pois aqui me vou.
Já há muito que aqui estou,
E pareço mal estar cá fora.

DIABO
Ora entrai, minha senhora,
E sereis bem recebida;
Se vivestes santa vida,
Vós o sentireis agora...
Assim que Brízida Vaz embarcou, veio um Judeu, com um bode às costas; e,
chegando ao batel dos danados, diz:

JUDEU
Quem aí vai? Ó marinheiro!

DIABO
Oh! Em que má hora vieste!...

JUDEU
De quem é esta barca que preste?

DIABO
Esta barca é do barqueiro.

JUDEU
Passai-me que vos pago em dinheiro.

DIABO
E o bode há cá vir?

JUDEU
Pois também o bode há de ir.

DIABO
Que escusado passageiro!

JUDEU
Sem bode, como passarei?(*)
[(*) O bode era o animal de sacrifício da religião judaica]

DIABO
Eu não passo cabrões.

JUDEU
Eis aqui quatro tostões,
E mais vos pagarei.
Pela vida do Semifará (*)
Peço-vos me passeis o cabrão!
Quereis mais outro tostão?
[(*) Nome Judeu, possivelmente o da própria personagem]

DIABO
Nem tu nem ele hão de vir cá.

JUDEU
Porque não irá o judeu
Onde vai Brízida Vaz?
E o senhor meirinho(*) consente?
Ó senhor meirinho, não irei eu?
[(*)Meirinho, era uma expressão para uma figura autoritária ligado aos oficiais da justiça e por
conseguinte, à fidalguia. O Judeu apela pois à autoridade do Fidalgo que está na barca. Há aqui uma
crítica velada, pois predominava a ideia, naquela altura, de que os Judeus, ricos, controlavam a justiça e escavam assim muitas vezes à justiça.]

DIABO
E o fidalgo, que lhe importa...

JUDEU
Não manda ele este batel?
CORREGEDOR, coronel,
Castigai este sandeu! (tolo)
Azará, pedra miúda, (desgraçado)
Lodo, charco, fogo, lenha,
Caganeira que te venha!
Má corrença que te acuda! (diarreia)
Por Deus, que te sacuda
Com a beca(*) nos focinhos!
Fazes gozo dos meirinhos?
Diz, filho da cornuda!
[(*)A beca é um tipo de veste, de uso característico dos juízes, têm sua origem nos trajes sacerdotais dos romanos]

PARVO
Roubaste a cabra, cabrão?
Parece-me vós, a mim,
Um gafanhoto de Almeirim
Chacinado num seirão. (morto numa festa)(*)
[(*) Gil Vicente trata esta figura com um grande anti-semitismo (ódio ao povo Judeu), sendo até repudiado pelo próprio Diabo, mas à época, tal como em muitas situações ao longa da história mundial, havia efetivamente um grande ódio contra o povo Judeu, incitado sobretudo pela igreja católica. O Judeu era sempre visto como uma pessoa de mau caráter, ganancioso, rico por ser corrupto e fraudulento. O facto de um Judeu ter sido morto por uma multidão, em determinado sitio, seria algo possível de ter ocorrido]

DIABO
Judeu, ali te passarão,
Porque vão mais despejados. (mais vazios, referindo-se à barca do paraíso)

PARVO
Ele mijou nos finados (nos mortos)
Na igreja de São Gião! (*1)
E comia a carne da panela
No dia de Nosso Senhor! (*2)
Goza com o salvador,
E mija na caravela! (*3)
[(*) 1- Antigamente os mortos eram enterrados debaixo das lajes da igreja.
2 – Quer dizer que comia carne na sexta-feira santa em que diz a tradição se deve fazer jejum ou não comer carne, não respeitando assim a doutrina católica.
3 – A “caravela” é a própria a igreja católica. Já na bíblica se diz que a igreja é um barco.]

DIABO
Vamos, vamos! Demos à vela!
E vós, Judeu, ireis à toa, (*)
Que sois muito ruim pessoa.
Levai o cabrão na trela!
[(*) Esta frase do Diabo tem dado azo a muito tipo de interpretação, porque Gil Vicente não deixou
explicito o que queria dizer efetivamente. Diz o consenso geral que com isto o Diabo está a dizer que o Judeu é tão mau que vai para o inferno “à toa”, ou seja”, não na barca, mas a reboque: ou num outro barco mais pequeno, ou puxado por uma corda, conforme queiram traspor essa ideia para o palco. Outra interpretação diz que ele efetivamente entra dentro da barca já que “ir á toa” pode significar “ir de qualquer maneira” e a própria Brizida Vaz usa essa mesma expressão, num diálogo seu mais à frente, referindo-se a entrar mais alguém dentro da barca “à toa”. Pode, no entanto significar que o Judeu é tão mau que nem direito tem a entrar na barca e que, tal como o rapaz da cadeira do Fidalgo, terá que “ir à toa”, ou seja, terá que andar “a errar” (a vaguear) por ali. Esta última ideia não é assim tão descabida já que está associada ao mito do Judeu Errante, aquele que por castigo foi negada a morte e a entrada, tanto no céu como no inferno e que anda a vaguear pelo mundo até ao fim dos tempos.]
Vem um Corregedor(*), carregado de manuscritos, e, chegando à barca do
Inferno, com sua vara na mão, diz:
[(*) O corregedor era o magistrado (um juiz) administrativo e judicial que representava a Coroa em cada uma das comarcas de Portugal.]

CORREGEDOR
Ó da barca!

DIABO
Que quereis?

CORREGEDOR
Está aqui o senhor juiz?

DIABO
Oh amante de perdiz, (*)
Que gentil carga trazeis!
[(*)O Diabo goza com o corredor, pois perdiz é uma ave que se dizia usar como pagamento para subornar alguém, pedindo-lhe favores. Ao dizer que o corregedor é um apreciador de perdizes está a dizer que ele era um juiz que aceitava subornos]

CORREGEDOR
Pela minha aparência percebereis
Que não é ela do meu jeito. (que não costumo levar carga)

DIABO
Como vai lá o direito?

CORREGEDOR
Nestes autos, o vereis.

DIABO
Ora, pois, entrai. Veremos,
O que diz aí nesse papel...

CORREGEDOR
E onde vai o batel?

DIABO
No Inferno vos poremos.

CORREGEDOR
Como? À terra dos demos,
Há de ir um corregedor?

DIABO
Santo descorregedor,
Embarcai, e remaremos!
Ora, entrai, já que viestes!

CORREGEDOR
Non est de regulae juris, não!(*) (Não isso está prescrito nas leis)
[(*) Era costume as pessoas ligadas à justiça estudarem o latim pois as primeiras leis fundaram-se no direito romano e como tal o domínio do latim estava ligado à erudição. O povo da altura não tinha no entanto o latim como algo que lhes fosse completamente desconhecido pois as missas, a que se impunha que todos assistissem aos domingos, eram todas ditas em latim – um facto que só em meados de 1900 é que se abandonou. Por outro lado, o português arcaico da época era por si também ainda muito próximo do latim romano, por isso é que as frases e expressões latinas utilizadas entre o corregedor e o Diabo eram, à altura, compreendidas, mais ou menos bem, pelo público geral.]

DIABO
Ita, Ita! Dai cá a mão! (sim, sim, em latim)
Remaremos um remo destes.
Fazei conta que nascestes
Para ser nosso companheiro.
– dirigindo-se ao companheiro diabrete –
Que fazes tu, barzoneiro? (preguiçoso)
Estende essa prancha. Prestes! (despacha-te)

CORREGEDOR
Oh! Renego da viagem
E de quem me há de levar!
Há aqui meirinho do mar? (Juiz ou magistrado)

DIABO
Não há tal costumagem. (costume)

CORREGEDOR
Não entendo esta barcagem,
Nem hoc nom potest esse. (E isso não pode ser.)

DIABO
Ora se vos parecesse, (se vós pensais)
Que não sei mais dessa linguagem...
Entrai, entrai, corregedor!

CORREGEDOR
Oh! Videtis qui petatis (Vede que pedis)
Super jure magestatis (algo acima do direito de majestade)
Tem o vosso mando vigor?

DIABO
Quando éreis ouvidor
Nonne accepistis rapina? (não aceitaste suborno?)
Pois ireis agora à bolina (à vela)
Onde a nossa pessoa for...
Oh! E que isca é esse papel
Para um fogo que eu cá sei!

CORREGEDOR
Domine, memento mei! (Senhor,(Deus) lembrai-vos de mim)

DIABO
Non es tempus, bacharel(*)! (Não há tempo, bacharel)
Imbarquemini in batel (embarcai no batel)
Quia Judicastis malitia. (que a justiça é maldita)
[(*)"Bacharel" é um grau académico]

CORREGEDOR
Sempre ego justitia fecit. (Eu sempre agi com justiça)

DIABO
E as peitas dos judeus (peitas = peitos das aves; subornos)
Que a vossa mulher levava?

CORREGEDOR
Isso eu não o tomava. (não era comigo)
Eram lá percalços seus.
Nom som pecatus meus, (não são meus pecados)
Peccavit uxore mea. (quem pecou foi a minha esposa)

DIABO
Et vobis quoque cum ea, (E vós também com ela)
A Deus não temeste.
E de grande modo enriqueceste
Sanguinis laboratorum, (com o sangue dos que trabalham)
Ignorantis peccatorum. (Pecaste, ignorando-os)
Ut quid eos non audistis? (E porque não os atendeste?)

CORREGEDOR
Vós, barqueiros, nonne legistis (não lestes)
Que o dinheiro quebra os penedos? (as montanhas)
E que os direitos ficam quedos, (parados; suspensos)
Sed aliquid tradidistis... (Se algo é dado em troca...)

DIABO
Ora entrai, nestes negros fados!
Ireis para ao lago dos cães
E vereis os escrivães
Como estão tão prosperados. (ricos)

CORREGEDOR
E na terra dos danados
Estão os Evangelistas?

DIABO
Os mestres das burlas vistas
Estão lá bem fragoados. (martelados – como era o metal na forja)
Estando o Corregedor nesta conversa com o Arrais infernal chegou um
Procurador(*), carregado de livros, e diz o Corregedor ao Procurador:
[(*) O procurador é um mandatário da Justiça, aqui a representar a classe dos advogado]

CORREGEDOR
Ó senhor Procurador!

PROCURADOR
Beijo-vos as mãos, Juiz!
Que diz este barqueiro? Que diz?

DIABO
Que sereis bom remador.
Entrai, bacharel doutor,
E ireis a dar à bomba. (*)
[(*) bomba de bombear, um mecanismo que retirava a água que entrava dentro dos barcos]

PROCURADOR
Este barqueiro zomba...
Gostais de ser gozador?
Essa gente que aí está,
Para onde a levais?

DIABO
Para as penas infernais.

PROCURADOR
Dix! Eu é que não vou para lá! (uma interjeição de espanto)
Outro navio ali está,
Muito melhor assombrado. (de melhor aspecto)

DIABO
Ora estás bem aviado!
Entra, em muito má hora!

CORREGEDOR
Confessastes-vos, doutor?

PROCURADOR
Bacharel sou. Não tive tempo!
Não pensei que era preciso,
Nem de morte a minha dor.
E vós, senhor Corregedor?

CORREGEDOR
Eu muito bem me confessei,
Mas tudo quanto roubei
Encobri ao confessor...

PROCURADOR
...Porque, se o não tornais, (devolveres)
Não vos querem absolver,
E é muito mau devolver
Depois que o apanhais. (de ter roubado)

DIABO
Pois porque não embarcais?

PROCURADOR
Quia speramus in Deo. (Porque esperamos por Deus)

DIABO
Imbarquemini in barco meo... (Embarcai no meu barco)
Para quê esperais mais?
Vão-se ambos ao batel da Glória, e, chegando, diz o Corregedor ao Anjo:

CORREGEDOR
Ó barqueiro dos gloriosos,
Passai-nos neste batel!

ANJO
Oh! Pragas para papel,
E para as almas odiosos!
Como vindes preciosos,
Sendo filhos da ciência!

CORREGEDOR
Oh! habeatis clemência (tende clemência)
E passai-nos como vossos!

PARVO
Ó, homens dos breviário, (livros)
Rapinastis coelhorum (vós rapinaste coelho)
Et pernis perdigotorum (e pernas de perdiz)
Para além de mijar nos campanários!

CORREGEDOR
Oh! Não nos sejais contrários, (não seja mau, ou não nos complique mais a situação)
Pois não temos outra ponte!

PARVO
Beleguinis ubi sunt?(*1) (onde estão os carcereiros)
Ego latinus macairos!(*2) (o meu latim é macarrónico/maravilhoso!)
[(*) 1- Beleguins eram os oficiais da Justiça. Juane, o Parvo, está a reivindicar que alguém venha prender aqueles dois.
 2 - Frase cómica, dirigida provavelmente ao público porque o seu latim é uma grande
trapalhada.]

ANJO
A justiça divinal
Manda-vos vir carregados
Porque têm de ser embarcados
Naquele batel infernal.

CORREGEDOR
Oh! Não atende São Marçal!
Com a ribeira, nem com o rio! (*)
Penso que é desvario
Fazer-nos tamanho mal!
[(*) Diz o corregedor que São Marçal não encontra aquele sitio para lhes atender as preces e os salvar]

PROCURADOR
Que ribeira é esta tal!

PARVO
Pareces-me vós a mim
Como um cagado nebri, (*1)
Mandado no Sardoal.
Embarquetis in zambuquis! (*2) (embarcai na má barcaça - tradução provável)
[(*) 1 – O Parvo continua a fazer o seu papel de denunciador daqueles que aparecem junto à barca do paraíso, chegando inclusive a dizer de onde é que eles vêm e ofendendo-os com isso. "nebri" é uma palavra da falcoaria, que se refere ao falcão-nebri. "cagado nebri" é pois um insulto. "uma ave de rapina cagada, ou seja, mal feita" que vinha das terras do Sardoal.
2 - mais uma frase humorística, a tentar imitar o latim, mas sem o conseguir.)]

CORREGEDOR
Venha a negra prancha para cá!
Vamos ver esse segredo.

PROCURADOR
Diz um texto do Degredo...

DIABO
Entrai, que cá se dirá!
E assim que os dois entraram dentro no batel dos condenados, disse o
Corregedor para a Brízida Vaz, porque a conhecia:

CORREGEDOR
Oh! Em má hora vos vejo,
Senhora Brízida Vaz!

BRÍZIDA
Já nem aqui estou em paz,
Pois nem aqui me deixais.
Cada hora a mim sentenciada:
«Foi justiça que vós mandastes fazer....» (*)
[(*) Brízida com estas palavras queixa-se de que em vida fartava-se de ser perseguida pela lei e que fora sentenciada muitas vezes pelo Corregedor]

CORREGEDOR
E vós... volta a tecer
E a urdir outra meada.(*)
[(*) E responde o corregedor que Brizida voltava sempre a fazer o mesmo, apesar das sentenças que lhe eram dadas]

BRÍZIDA
Diz ó, juiz da alçada:
Vem lá o Pêro de Lisboa? (*)
Levá-lo-emos à toa
E irá também nesta barcada.
[(*) O “Pêro de Lisboa”, dizem os historiadores que era um escrivão muito conhecido na altura em Lisboa pela má fama. É pois uma paródia dirigida a uma figura da época que já lhe apontava o inferno como destino final]
Vem um homem que morreu Enforcado, e, chegando ao batel dos malaventurados,
diz o barqueiro ao que chega:

DIABO
Vamos embora, enforcado!
Que diz lá o Garcia Moniz? (*)
[(*)Figura provavelmente conhecida à época, cuja identidade é hoje desconhecida e dada a muita suposição. Seria alguém importante na corte portuguesa]

ENFORCADO
Eu te direi que ele diz:
Que fui bem-aventurado
Em morrer dependurado (pendurado)
Como o tordo na buiz, (armadilha)
E diz que os feitos que eu fiz
Me fazem canonizado. (me fazem santo)

DIABO
Entra cá, e governarás (guiarás o barco)
Até às portas do Inferno.

ENFORCADO
Não é essa a nau que eu quero.

DIABO
Digo-te eu que aqui irás.

ENFORCADO
Oh! Isso não, por Barrabás! (*)
Então se Garcia Moniz dizia
Que os que morrem como eu
Ficam livres de Satanás...
[(*)O criminoso que foi libertado no lugar de Cristo a pedido da população enraivecida]
E disse que Deus quisera
De ser eu enforcado;
E que fosse Deus louvado
Pois em boa hora eu nascera;
E que o Senhor me escolhera;
E que por bem vi os beleguins. (pelo seu bem, foi levado aos oficiais da justiça)
E com isto mil latins,
Muito lindos, feitos de cera. (*)
[(*) Mil latins serão os discursos jurídicos e religiosos, de cera serão as velas. Para o enforcado, um
condenado simplório, faz tudo parte da mesma coisa]
E, no passo derradeiro,
Disse-me nos meus ouvidos
Que o lugar dos escolhidos
Era a forca e o Limoeiro; (*)
[(*) O Limoeiro era uma prisão da altura em Lisboa com a reputação de ser muito dura.]
Nem guardião do mosteiro
Tinha tão santa gente
Como o Afonso Valente
Que é agora carcereiro.

DIABO
Dava-te consolação isso,
Ou algum esforço? (*)
[(*)Pergunta o Diabo ao Enforcado se aqueles suplícios que passara na prisão, mais as rezas de penitência, lhe valeram de alguma coisa. O Diabo pergunta isto, como já se verá, para saber se o enforcado morreu arrependido dos seus pecados e se o seu sofrimento lhe serviu de expiação dos males que antes cometera e se encontrou salvação da sua alma através das palavras das rezas.]

ENFORCADO
Aquele com a corda ao pescoço,
De muito pouco serve a pregação...
E apenas leva a devoção
De que há de voltar a jantar...
Mas quem há de estar no ar (há de ser pendurado pela forca)
Aborrece-se com o sermão.

DIABO
Entra, entra no batel,
Que ao Inferno hás de ir!

ENFORCADO
O Moniz esteve a mentir?
Disse-me que com São Miguel
Eu jantaria pão e mel
Assim que fosse enforcado.
Ora, eu já passei o meu fado,
E já feito é o burel.(*) (e já passei o que tinha a passar)
[(*) Burel era um tecido de artesanal feito de lã. "Já é feito o burel" era uma expressão utilizada para dizer que "o trabalho já está feito ou cumprido" ou "já se fez o que se tinha a fazer"]
Agora não sei o que é isto:
Ele não me falou ele em ribeira,
Nem em barqueiro, nem em barqueira,
Apenas no Paraíso.
Isto muito no seu juízo.
E que era santo o meu baraço... (era abençoada a minha corda)
Eu não sei que aqui faço:
Que é desta glória improviso? (que espécie de glória é esta?)

DIABO
Falou-te no Purgatório?

ENFORCADO
Disse que era o Limoeiro, (que o purgatório era a prisão)
E com ele o saltéiro (o livro de salmos)
E o pregão vitatório; (o discurso que se dizia antes de se enforcar alguém)
E que era muito notório
Que aqueles disciplinados (aqueles castigos)
Eram horas dos finados (eram bênçãos para os condenados)
E missas de São Gregório.

DIABO
Quero-te desenganar:
Se o que tivesses aceitado,
Certo era que te salvavas.
Mas não o quiseste aceitar... (*)
[(*) Diz o Diabo que se os tormentos e as rezas, que o Enforcado levou na prisão, lhe tivessem servido como expiação dos seus pecados, ter-se-ia salvado. Mas como não levou os castigos as rezas a sério para pedir perdão pelos erros do passado, vai para o inferno.]
– Diz o Diabo para todos os que estão dentro do seu barco –
Alto! Todos a alevantar,
Que está em seco o batel!
Alevante-se, Frei Babriel!
Ajudai ali a apanhar! (*)
[(*) O Diabo repara que a maré está a abaixar e quer pôr todos a trabalhar para se ir embora, dá ordens em especifico ao Frade]
Vêm Quatro Cavaleiros a cantar, os quais trazem cada um a Cruz de Cristo,
pelo qual Senhor e acrescentamento de Sua santa fé católica morreram a lutar
contra os mouros. Absoltos a culpa e pena como privilégio que os que assim
morrem têm dos mistérios da Paixão d'Aquele por Quem padecem,
outorgados por todos os Presidentes Sumos Pontífices da Madre Santa Igreja.
E a cantiga que assim cantavam é a seguinte:

CAVALEIROS
À barca, à barca segura,
Barca bem guarnecida,
À barca, à barca da vida!
Senhores que trabalhais
Pela vida transitória,
Memória, por Deus, memória (lembrai-vos, por Deus, lembrai-vos)
Deste temeroso cais!
À barca, à barca, mortais,
Barca bem guarnecida,
À barca, à barca da vida!
Cuidado, pecadores, que,
Depois da sepultura,
Neste rio está a ventura (o destino)
De prazeres ou de dores!
À barca, à barca, senhores,
Barca muito nobrecida, (nobre)
À barca, à barca da vida!
E passando à frente da proa do batel dos danados, assim a cantar, com suas
espadas e escudos, disse o barqueiro da perdição desta maneira:

DIABO
Cavaleiros, vós passais
E não perguntais para onde ireis?

1º CAVALEIRO
Vós, Satanás, que presumis?
Cuidado com quem falais!

2º CAVALEIRO
Vós que nos querereis?
Vejo que não nos conhece bem:
Nós morremos nas Partes d'Além,
E não queirais saber mais.

DIABO
Entrai cá! Que coisa é essa?
Que eu não consigo entender isso!

CAVALEIROS
Quem morre por Jesus Cristo
Não vai em tal barca como essa!
Voltam a prosseguir, cantando, no seu caminho direitos à barca da Glória, e,
assim que chegam, diz o Anjo:

ANJO
Ó cavaleiros de Deus,
Por vós estou a esperar,
Que morrestes a lutar
Por Cristo, Senhor dos Céus!
Sois livres de todo mal,
Mártires da Santa Igreja,
Que quem morre em tal peleja (luta)
Merece a paz eternal.
E assim embarcam.

FIM